domingo, 26 de dezembro de 2010

O animal que se arrasta, esse, um dia voará…

(parte 6 de 7)

Passaram já três meses e pouco, desde o início do seu pedido de ajuda, nestas vivências! Duas semanas antes de ela me voltar a contactar, eu fui falar com uma psicóloga, para saber se tudo isto seria por aqui, ou se estava errada. Perguntei ainda se poderia um dia levar lá a Elisha, para uma avaliação do caso e possível terapia naquele Centro. Recebi “luz verde”, e a sugestão foi : viver um Amor Firme, sendo Assertiva. Saí mais confortada.
Em Julho, após umas semanas de ausência, em que se afastou dos amigos fraternos, eis que telefonou a solicitar o contacto da tal terapia específica de que eu lhe tinha falado. Durante uns meses, ignorou dois compromissos e encontrava justificações positivas e válidas para a sua cabeça, para não comparecer, mas cada vez se enrolava mais. Agora lá vinha ela…como filho pródigo. Mas seria desta vez? Já se teria cansado de comer “bolotas”? Dizia-me:
- Tinhas razão, eu não consigo por mim, preciso de tentar essa terapia de que falas. Como faço para marcar com a psicóloga?
-Dou-te o número e ligas.
Quando já tinha a consulta marcada, perguntou se eu ia com ela ao Centro Terapêutico. Porém, respondi de modo assertivo:
- Vai agora com as pessoas com quem estiveste estas semanas.
Ela não esperava esta resposta e ficou perturbada. Não conseguia falar, como que espantada com o impacto da minha resposta. Um tempo depois, acalmou e partilhou momentos mal vividos, dizendo:
- Tu bem sabias, eu é que teimava em não ver, não ouvir. Agora é para valer.
- Então tens de ser tu a dar passos mais concretos, chegou a hora de agarrares ou largares.
Eu tinha um questionário para lhe dar, a fim de ver se ela se identificava ou não com os sintomas/comportamentos, para já ir abrindo caminho na identificação  da verdade. De seguida, disse-lhe:
-Agora que estás mais calma, gostava de te dar um questionário para tu leres e responderes, para ti mesma, “Sim” ou “Não”, diante de 24 ou 25 perguntas.
Elisha interrompeu, e, com algumas lágrimas e entre soluços, disse:
-Eu vou ler e responder, mas podes vir comigo à consulta? Eu faço o que sugerires, por favor não me deixes ir sozinha!
Depois de ler, ficou em silêncio e exclamou:
-Pois estas questões são o retrato de tanto que tenho vivido, sem saber caracterizar. Mais um parto, em que o nosso Deus, por ti, veio a mim. Eu sei que tenho falhado muito, mas agora vejo que estou mais perto de descobrir o método para me tratar.
Perante as suas palavras, senti mais força dentro de mim… Há um momento de tocar bem fundo a limitação, a miséria humana, e eis que se busca algo mais! E há dentro um grito para procurar alguém que mostre o caminho, vendo que assim não se pode seguir… Surge a atitude de humildade de quem pede ajuda. De quem deixa o seu orgulho de lado, os seus esquemas, e quer dispor-se a aprender a viver!
Quantas vezes nos conformamos com sobreviver? Sim, cada um de nós tem experiências semelhantes. Uns de nós contentam-se  a ver o que outros vivem ou como sobrevivem… Outros, porém, compreendem que são chamados a viver com mais qualidade:
«Vim para que tenham vida, e vida abundante.» Jo.10,10
Custa andar por atalhos, faz sofrer o próprio e os outros que lhe querem bem. Mas as oportunidades de tocar fundo a limitação, fazem-nos buscar com mais autenticidade a verdade da nossa Identidade. Afinal, para que fui criado/a? E que bom é ter alguém, ter amigos fraternos, com quem contar nestas fases da vida!
E que alegria verificar que a minha vida é ponte. Ponte para que outra pessoa possa deixar curar as suas feridas, ponte para a claridade no reencontro com o Tesouro que cada um leva dentro de si, ponte para que alguém possa fazer o percurso para descobrir a outra margem, onde há prados mais verdejantes que o “Bom Pastor” preparou.

No dia seguinte, lá fomos à consulta da psicóloga. De regresso, a alegria desta jovem esboçava uma esperança que há muito eu não via nela. E, mais solta, ia falando durante a viagem de comboio, até que me perguntou:
-E se eu fosse internada, seria melhor para me tratar, não achas?
Eu, muito admirada com tal proposta, retorqui:
- Pois sim, mas são três meses, e tu queres mesmo?!
-Quero, já desci muito fundo, não quero mais a minha vida de sobrevivência. Quero aproveitar as férias (Agosto/Setembro) e depois se vai vendo. Que dizes?
Falava com uma certeza tão grande de que estava disposta a dar este passo, que me invadiu uma esperança e gratidão diante d´Aquele que tem sido meu Conselheiro e Amigo.
Mas eu tive receio, pois a situação pedia agora outro tipo de investimento. E seria a fundo perdido? Ou seria para colocar a render? Então, novamente, parei um tempo a sós com Jesus, e eis que a Sua indicação foi:

«Estes ossos ressequidos poderão voltar á vida? Profetiza, leva a Palavra e diz: Eis que vou introduzir em vós o sopro da vida para que revivais e sabereis que eu sou Deus. Profetiza! Esses ossos voltarão à vida.»Ez.37, 1-14
Esta Palavra deu voltas dentro de mim…e fez-me emocionar profundamente. Uma claridade, em mim, continuava fazendo-me apreender: “ Tu tens estado a criar fraternidade à sua volta, tens mostrado que a sua vida tem valor, mas continua, Eu estarei contigo …preciso de ti!”
As dúvidas assolavam meu interior:”Será, Senhor, desta vez? Na sua pobreza vai ganhar O Teu Amor?”
A voz, em mim, prosseguia: “Conto contigo, pois à força de amares, na perseverança de colaborar no limpar das feridas, e no acompanhamento, Meu Amor será reencontrado dentro dela mesma. E «o deserto e a terra árida vão alegrar-se.»Is.35,1
Dias depois, foi internada para fazer terapias…mesmo contra a vontade de uma pessoa de família. Com algum receio, mas estava decidida a enfrentar este desafio na sua vida.
Eu estava disposta a continuar a dizer “Sim”, de modo a que a terapia fosse mais eficaz e integradora dos seus processos emocionais e espirituais. Aprendi que profetizar era acreditar na Palavra que me apoiava e nesta jovem, mostrando-lhe isso mais uma vez. Se eu o estava a fazer era porque o Mestre do Amor me tinha contagiado para tal, pois por minhas forças humanas já teria desistido.
E assim ela poderia ( re)encontrar  vida … ” ter asas e voar”!      
“O animal que se arrasta”, esse, um dia, voará! E cantaremos:
“Voa bem mais alto, livre sem alforge, sem prata nem ouro, amando este mundo, esta vida que é campo, e esconde um Tesouro!”

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Dizem que um sorriso é tão difícil de dar…

(parte 5 de 7)
                                                   
                                      

E eis que surgiu a dúvida, a insegurança, o medo e, mais uma vez, parecia que fugir, afastar-se para outro espaço e com outras companhias  ia resolver o assunto. E lá ia  Elisha…com pessoas que colocavam panos quentes na situação e alimentavam um “eu” que estava muito doente. Pouco a pouco, a tristeza foi-se instalando mais dentro. Os sentimentos estavam misturados, mal definidos, e a vontade própria criava falsas imagens de conforto. O passado perturbava-a e o futuro atormentava as suas forças emocionais e físicas.
Dando conta do caminho tortuoso que Elisha estava de novo a escolher, sem eu nada poder fazer diante dessas imagens desfocadas que tinha de si e do amor; chorei amargamente! E senti uma incapacidade tão grande, mas tão grande!! Diante deste “deixar-se levar” pelo mais fácil e cómodo, decidi parar um tempo mais prolongado, num momento de meditação. Procurei uma Palavra que respondesse ao que estava a viver. Procurei fazer silêncio, num final de tarde. E foi-me dirigida esta “Palavra”:
« Abraão leva o teu filho, onde o oferecerás…! »Gn.22,2-13
“Mas que é isto?! Que me queres mostrar?!”- interroguei…
Agora, olhando esta Palavra e a minha vida, percebo que me convidas ao desprendimento, não por masoquismo, mas porque Tu sabes o que é o melhor para mim e eu tenho que Te deixar ser Deus, e tenho de aceitar ser criatura.
Ela não era minha, eu já tinha posto todos os meios à sua disposição, por isso, já sem forças e vendo os meus impossíveis, decidi entregar nas mãos de Deus a sua vida. Percebi também que o meu orgulho me estava a impedir de dar esse passo…Percebi que Tu me estavas a ensinar a lição da humildade…
Ui, mas como me custou! Que sensação de perda, de algo que se rompe dentro e dói! Custa lidar com o sentimento de ser incapaz, de nada poder. Porém, acalmei após um tempo neste espaço de “SER”, de ser eu mesma, de assumir diante do Criador a minha fragilidade, a minha dor, dizendo-lhe que Ele pode o que eu não posso…  
Sabes Senhor, as vivências com esta jovem, ao longo de nove anos, foram tendo uma tonalidade afectiva, relacional, de acolhimento, de paciência, de partilha, de fé, de alegria… mas também momentos de tons cinzentos onde a tristeza me invadia., mas quando deixei que Tu falasses à minha raiva ou sentimento de incapacidade, de novo me davas alento! Porém, ela como que ia e vinha e pouco tempo permanecia. Só Tu conhece bem o que foi vivido e entregue. Só Tu podes valorizar e um dia redimensionar tudo isto. E tive uma “luz” – escrever-lhe algo e desde aí entregar.
Decidi escrever para mandar por e-mail umas palavras para a fazer reflectir, e a mim também me ajudaria (fica aqui uma parte dessa carta).
“A vida não é existir sem mais nada, a vida não é dia sim, dia não” (Mafalda Veiga)
(…)
De facto dizias que querias ser feliz mas contentas-te com migalhas de sobrevivência. Sim, é que mudar implica escolhas e acção. Que escolhas tens feito, em que te ajudaram?
Perguntavas:”acreditas que posso chegar a ser uma pessoa normal?" Manifestavas cansaço de situações de sofrimento emocional, de depressão e desalento, mas pelos vistos ainda sofreste pouco para o teu temperamento de teimosia!
Se és crescida para optar por fazeres certas escolhas em detrimento de outras, então também vais assumir as consequências de não estares a investir no caminho de recuperação do teu “tecido emocional e relacional”. Gostava que fosses ouvir opinião de outro terapeuta, e tu que fizeste com isso?
(…)
Com o teu silêncio parei e dei-me conta que já não és criança, que não sabes ainda cuidar bem de ti, por fragilidade emocional, mas que teimas em seguir por caminhos velhos. Tentei entender o terramoto que viveste e permaneci.
Quem tem que querer mudar para melhor és tu, tu em primeiro lugar tens que querer com toda a tua alma e entendimento. Tu queres? Com que intensidade?
É certo que só Deus te conhece bem. Mas eu já conheço de ti o suficiente para não embarcar em manipulações. Sim porque há atitudes de pessoas à tua volta que estão a fazer desenvolver o “Rei-bébé”, esse “síndrome “ que te engana  e te ofusca a verdade.
Quero o teu bem, porque te quero bem, mas para tal tenho que ser assertiva. E isso custa-te, eu sei, (e custa-me) no entanto dei-te provas da minha entrega com Jesus por ti. Mas se preferes viver com altos e baixos e sentir mais fracassos e rebentar contigo, eu não posso fazer nada.
Um dia talvez chegues a reconhecer o teu verdadeiro valor. (Porque a tua vida vale muito!)

Na semana que se seguiu, ainda sem saber noticias suas, num outro momento de meditação, encontrei esta Palavra:
«Ao terceiro dia, celebrava-se uma boda. (…) Maria disse: “Não tem vinho”…..., fazei o que Ele vos disser» Jo.2, 3-5
Naquela festa era importante o vinho. E na vida de cada um, que precisamos mais? Pois… de vida abundante, de alegria, de ânimo, verdade? E o que posso fazer, por onde ir?
“Fazei o que Ele vos disser”. «Ora havia ali seis vasilhas de pedra preparadas para os ritos. Disse-lhes Jesus:”Enchei as vasilhas de água.” Eles assim o fizeram. O chefe de mesa provou a água transformada em vinho, sem saber de onde era, mas sabiam-no os serventes.»Jo.2, 6-10
Olha, Senhor, ensina-me a, na “vasilha de pedra dos meus esquemas”, saber colocar quem sou e ainda não, a minha limitação, a minha “água”, mas também o meu desejo de amar, de colaborar Contigo. E transforma-me, para viver melhor a realidade que agora tenho, não a que sonhei. Como nesta boda, vejo-te a Ti e à Tua mãe Maria, revelando a bondade e a delicadeza, transbordando o Amor de Deus que necessitamos para viver bem.
Fui colocando nas Mãos de Maria, mulher e mãe, a vida de Elisha… Pedi a Sua intercessão, para saber viver esse momento. Dizia para mim: “Sei que para Deus não há tempo nem espaço, e o Espírito Santo pode tocar o seu coração no tempo oportuno, para que um dia ela queira fazer uma terapia específica, ( para tratar o “Síndrome do Rei -Bébé” )por isso tenho de esperar. Saber esperar com Confiança! Quero acreditar que esta espera vai dar fruto.”
Tendo sabido qual a terapia aconselhada, ainda mais custava que se afastasse…. Perante uma Nova Esperança, gostaria de lhe abrir essa porta. Mas a confiar que Deus pode, pedi:
”Ensina-me, Senhor, a ser paciente com o tempo dos outros! Sei que onde está, longe a nível de distância geográfica, não estará bem pois conheço-a “como a palma das minhas mãos”.Mas só posso entregar.”
Recebi uma mensagem? Não! Mas esta atitude mais me confirmava a necessidade de terapias.
E o sorriso não era possível, face a um coração que se encontrava dividido. E o perigo espreitava pois a auto-estima não estava ajustada, e o suspender ou adiar uma decisão, eram uma constante na sua vida. E o sorriso não se encontrava, pois algo muito antigo, da sua história de infância e adolescência, bloqueava os seus sentimentos e congelava as suas emoções. E o perigo espreitaria enquanto as mensagens autodestrutivas do passado e o medo de enfrentar a dor tivessem mais força que a amizade, a estima, o amor, a fé e a coragem.
“Concedei-me, Senhor,
 Serenidade para aceitar o que não posso modificar,
Coragem para modificar o que eu posso, e
 Sabedoria para distinguir uma realidade da outra.”